Em seu clássico livro O Segredo da Pirâmide, o teórico do jornalismo Adelmo Genro Filho, diz que "a consumação da liberdade humana exige, em especial, o desenvolvimento do jornalismo". É evidente que, para que haja desenvolvimento do jornalismo, é necessário que haja desenvolvimento da democracia. E a condição básica para que se tenha uma democracia realmente fortalecida é a transparência do governo (em todas as suas esferas) para com seus cidadãos.
Infelizmente, no decorrer de toda a história do Brasil, o que temos visto é algo que, se não chega a ser o contrário, está muito distante de ser o ideal. Este momento, em que uma discussão um tanto obscura ocorre no Senado brasileiro sobre o acesso público a documentos considerados sigilosos, representa uma oportunidade ímpar para começarmos a passar a limpo nosso País. Ao contrário do que algumas matérias veiculadas sobre o assunto deixam a entender, o Projeto de Lei Complementar 41/2010 não é apenas relevante do ponto de vista histórico, como se isso fosse de interesse exclusivo de historiadores, jornalistas e pesquisadores em geral. Na verdade, trata-se de algo de suma importância também para o presente e o futuro da sociedade como um todo, já que estabelece uma relação mais transparente entre o que ocorre em termos formais no interior dos gabinetes oficiais e o cidadão comum.
Expliquemos o caso. O presidente Lula enviou à Câmara em 2009 o Projeto de Lei Complementar sobre o acesso a documentos de cunho sigiloso. O projeto (batizado de Lei do Acesso) trata do acesso a todos os tipos de comunicações internas, auditorias, ofícios e outras modalidades de arquivo produzidas pelos três poderes, em todos os níveis. Um dos itens do projeto enviado previa que alguns documentos poderiam ficar resguardados para sempre, sob sigilo eterno, ou seja, sem jamais vir a conhecimento público. Os deputados da Câmara fizeram algumas emendas ao projeto, sendo que uma delas estabelecia a troca do sigilo absoluto por um limite máximo de 50 anos. E assim o projeto foi aprovado e encaminhado ao Senado. Chegando lá é que o negócio emperrou, certamente porque ali estão algumas das figuras mais retrógradas da política nacional, que o digam José Sarney e Fernando Collor, dois ex-presidentes da República e justamente os atuais senadores que mais se esforçam em fazer lobby para que os colegas derrubem da proposta o prazo máximo de 50 anos.
O governo não diz claramente o que defende para o assunto e vem adotando postura dúbia nos últimos dias. Primeiro demonstrou concordar com os asseclas de Sarney e companhia e sinalizou que defenderia o sigilo por prazo indeterminado. Depois, sob o protesto de algumas alas do próprio PT, sinalizou que tiraria da votação o caráter de urgência para estender a discussão. A recém empossada ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, disse ontem (15) que o governo não pretende manter o sigilo eterno. Afinal, o que quer o governo?
Como de costume, a mesma sociedade, a quem tanto interessa o tema, está excluída do processo de discussão. Mais que isso, está desinformada. E a imprensa, que tem como uma de suas funções básicas levar ao entendimento público aquilo que é hermético, não tem demonstrado grande esforço nesse sentido. É evidente que a imprensa não deve ser partidária ou emitir opinião a torto e a direito sobre os temas a que se dedica diariamente. No entanto, ela deve, no mínimo, esclarecer aos cidadãos a importância que isso representa e contribuir para o desenvolvimento de uma percepção política de fato atuante. O partido da imprensa é a sociedade democrática e isso é uma oportunidade histórica para exercer esse papel.
Documentos sigilosos que vêm à tona, por mais comprometedores que sejam à Nação, certamente têm de vir a público em determinado momento e um prazo de 50 anos é mais que suficiente para aliviar o impacto de sua divulgação. E isso não vai acabar com país nenhum, que o digam os Estados Unidos pós-Wikileaks. Nossa atual presidente da República viveu os horrores dos porões da ditadura militar (só para citar um exemplo). E espero sinceramente que ela, por ter presenciado essa fase que, mesmo após décadas é ainda tão obscura, se sensibilize com a oportunidade que lhe foi dada pela história e se esforce para prestar esse serviço ao Brasil. Um país desconhecido por seus cidadãos é um país perigoso.
Obs: Para informações mais detalhadas sobre o projeto, sugiro esta leitura: http://algumasnotassoltas.wordpress.com/2011/06/14/sigilo-eterno-a-lei-de-acesso-e-muito-mais-do-que-isso/
# Currículo: Marcos Robério: estudante de Jornalismo. Foi coordenador do Núcleo de Jornalismo da ONG TV JANELA; depois trabalhou na assessoria de imprensa da Prefeitura de Fortaleza (estagiário da Secretaria Executiva Regional VI). Atualmente, é repórter estagiário do Jornal O POVO, onde escreve no caderno Vida e Arte. Contatos: email - marcosroberio88@gmail.com e twitter - @marcos_roberio Marcos Robério escreve nesse espaço toda quinta-feira.