domingo, 22 de agosto de 2010

Essa nossa estranha democracia


Por Marcos Robério (foto)*

Nesses últimos dias, em que a efervescência eleitoral (ou eleitoreira) vai aos poucos tornando-se onipresente, me vêm, mais uma vez, questionamentos sobre essa tal democracia, conceito sempre alardeado em épocas como essa. Minha reflexão recai principalmente sobre dois pontos.

Cada candidato, em seus discursos quase sempre mal ensaiados, apregoam esta época como a festa da democracia, aquela oportunidade que só aparece na eleição, pois aí todos os setores da população poderão “exercer sua cidadania”. Então nos perguntamos: “a democracia é algo que só existe em tempo de eleição?”. No peculiar caso brasileiro, eu diria que nem isso. Comecemos por um conceito básico: consultando o Aurélio, vemos que um dos conceitos de democracia diz que é um “... regime político que se funda na soberania popular, na liberdade eleitoral...”. Como pode-se falar no Brasil em “liberdade eleitoral”, se o voto é obrigatório? Ou seja, o cidadão não escolhe livremente, ele é, ironicamente, obrigado a escolher. Daí ouvirmos tantas pessoas dizendo “se eu pudesse, não votaria."

Mas, se as camadas menos esclarecidas pudessem se abster de votar, de quem a famigerada classe dos políticos brasileiros compraria, direta ou indiretamente, o voto? Quem mais seria atingido pelos infernais jingles e bandeiraços nos cruzamentos? Quem se disporia a servir de claque para aplaudir os discursos de comício? Ou seja, a real liberdade eleitoral não interessa aos políticos, pois eles precisam de público não muito exigente a quem possam vender seu produto (que, diga-se de passagem, geralmente é de má qualidade).

Outro fato que exprime como nossa democracia é reduzida se dá no âmbito da relação entre os políticos e o sistema midiático. Nossos homens públicos, em grande parte, parecem se julgar acima de qualquer exposição ou julgamento, tentando repassar uma imagem imaculada, a qual não fazem o mesmo esforço para mantê-la quando estão em seus escusos gabinetes. A lei eleitoral nº 9.504/97 proíbe que emissoras de rádio e TV usem "trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação". Tal proibição atinge sobretudo a programas de humor, que, ainda que se utilizem de gracejos e gozações, trazem à tona a problemática da atualidade política, sendo que deveria caber apenas ao cidadão consumir ou não determinados programas.

No entanto, nossos engravatados parecem não perceber que se autoridicularizam muito mais em sua própria classe. Há algo mais ridículo, pois, do que candidaturas no mínimo “excêntricas”, como a do comediante Tiririca, do estilista Ronaldo Esper, ou ainda da suculenta Mulher Pêra? Não defendo aqui, de forma alguma, que sejam proibidas candidaturas como a de tais personalidades. Pretendo apenas que o direito e a liberdade de expressão sejam estendidos a todos os campos e classes de um país que se pretende democrático.

Sei que a democracia é mais um ideal a ser sempre perseguido, e não algo consolidado e paupável. Sei também que o caminho até ela é doloroso e lento. Entretanto, aqui parecemos estar seguindo o caminho contrário (lembremos também da censura ao jornal O Estado de São Paulo, que foi empedido pela justiça de publicar matérias polêmicas sobre o empresário Fernando Sarney). A evolução da política brasileira passa primeiramente pela evolução de todos os principais setores de sua sociedade, e a restrição à liberdade de expressão é talvez a principal marca do atraso intelectual de uma nação.

*(Texto escrito pelo jornalista Marcos Robério a pedido do Blog. Até o dia da eleição, publicaremos textos de autoria de outros profissionais aqui nesse espaço. Aguarde!).