quinta-feira, 17 de junho de 2010

"Pão, circo e vivuzelas" *


Estamos vivenciando um momento esplendoroso no cenário mundial, está acontecendo a primeira Copa do Mundo FIFA no continente Africano, o mundo parou para assistir o grandioso espetáculo futebolístico.

Analisando algumas estatísticas, notei que por enquanto, a África do Sul gastou aproximadamente o equivalente a R$ 9 bilhões em instalações esportivas, infra-estrutura viária, transportes e segurança. Contudo, especula-se que a conta final deve ficar próxima dos R$ 30 bilhões, uns 5% do PIB total sul-africano.

Estádios monumentais, investimentos momentâneos em segurança, um trem de alta velocidade que custou 4 bilhões de reais e que, atualmente, vai apenas do novo centro de Joanesburgo até o aeroporto internacional na África do Sul, fazem parte da gama de “investimentos”. No entanto, a pergunta que norteia meus pensamentos é, se todos esses investimentos trarão a curto ou longo prazo benefícios concretos para o continente mais pobre do mundo. E se tais benefícios atingirão a totalidade ou a grande maioria da população.

Soccer City, o maior estádio da Copa, custou cerca de R$ 1 bilhão, quase o dobro do previsto. Port Elizabeth, na costa, custou nada mais, nada menos que R$ 500 milhões, também o dobro. Ellis Park, em Joanesburgo, é o recordista: R$ 150 milhões, quatro vezes mais. Tanto dinheiro gasto com estádios que após a Copa praticamente não terão serventia alguma.

Ora, após analisar supracitados gastos na Copa do Mundo de Futebol, tenho a obrigação de apresentar alguns dados alarmantes acerca do continente Africano.

Malgrado o quadro natural adverso com áreas desérticas e em expansão, além de florestas impenetráveis, a África parece ser vítima do seu passado arrasador: possui o pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e o maior IPH (Índice de Pobreza Humana) do mundo, ou seja, o menor PIB per capita, a menor taxa de urbanização, as maiores taxas de analfabetismo, de subnutrição, de natalidade, de mortalidade, de mortalidade infantil e de crescimento demográfico.

Um continente assediado pela fome e usurpado pela miséria.Através das estatísticas mais recentes, as cifras desse flagelo não param de crescer, tornando-se mais graves e mais preocupantes. A cada ano, 27 milhões de africanos, a maioria crianças, estão ameaçados de morrer de fome. Dos 800 milhões de habitantes, pelo menos 150 milhões vivem em debilitante escassez de alimentos. Os países mais atingidos pelo flagelo são: Etiópia, Somália, Sudão, Moçambique, Malavi, Libéria e Angola.

Além disso, as doenças assolam a vida dos africanos (na Somália, na Etiópia e no Sudão) e as guerras civis em Angola, Serra Leoa, Burundi, Ruanda e na República Democrática do Congo (ex-Zaire) e de fronteira (Chifre da África). Não bastassem todos esses problemas, há duas décadas, a África da fome, das guerras e dos refugiados morre lentamente, vítima da AIDS. Mais de 23 milhões de casos numa população de 800 milhões de pessoas.

A África do Sul, país sede da Copa que nós assistimos todos os dias é considerado uma exceção e se destaca em relação às outras nações do continente. É um país emergente, pois possui um bom nível industrial, boa infra-estrutura em logística; bom desenvolvimento em relação a todos os outros países africanos. No entanto, a AIDS dizima sua população. Segundo a Sociedade Sul-Africana de Estatística e o Conselho Médico de Pesquisa, a doença se espalhou assustadoramente pelo país, cerca de 950 pessoas morrem e outras 1400 são infectadas diariamente.

Ora, para alguns países da África a Copa praticamente não trará beneficio algum, para a África do Sul, país sede, o mais importante é continuar atraindo investimento estrangeiro, pois precisa de estabilidade, forjando um sentimento de unidade nacional após longos e tenebrosos anos de “Apartheid”. Acredito que seja essa a maior ajuda da Copa à Africa.

Parece-me que a hipocrisia e a ignorância estão intrínsecas na sociedade hodierna. Como podemos esquecer as crianças famintas e os aidéticos? A política do pão e circo da época da antiga Roma, quando gladiadores banhados em sangue distraiam e silenciavam a população no Coliseu Romano, agora renasce tentando silenciar também os gritos dos famintos e aidéticos africanos nos pitorescos estádios da Copa do Mundo. A humanidade mais uma vez silencia e esquece a degradação e o flagelo da sociedade africana, boquiaberta entre gols e “vuvuzelas”.

* Texto escrito pelo acadêmico de Direito, Rudá Pereira, icoense nato.