A ilusão da cobertura nacionalPor Marcos Robério (foto)
Seria ingênuo de nossa parte achar que os veículos (jornais, TVs, rádios, revistas) considerados de abrangência nacional dão conta de tudo o que se passa diariamente neste Brasil a fora. Em um país com dimensões continentais como o nosso, nem mesmo as agências de notícias, com seus tentáculos de longo alcance, conseguem alcançar ao mesmo tempo os grandes centros do país e os seus lugares mais recônditos. Nem os próprios veículos de abrangência local conseguem sempre dar conta de sua área de atuação. O resultado disso é que fatos aparentemente de grande semelhança ganham divulgação e repercussão distintas. É o velho problema do regionalismo da imprensa. Ou seja, que não nos iludamos ao ponto de achar que assistindo a um jornal nacional ou lendo jornais e revistas nacionais estaremos a par do que se passa em todo o Brasil. O que vemos é um pequeno (e muitas vezes mal feito) recorte.
Os fatos ocorridos nos últimos dias nos cenários políticos do Ceará e de São Paulo servem de exemplo e corroboram este ponto de vista. No Ceará, mais de 60 prefeituras do interior do Estado estão sob a mira do Ministério Público (MP), que, em diferentes processos, realiza uma grande investigação, principalmente sobre as suspeitas de fraudes em processos de licitação. Com isso, só nos últimos dias, foram presos o prefeito de Nova Russas, o ex-prefeito de Tianguá e o prefeito de Senador Pompeu. Tais fatos têm sido amplamente divulgados pela mídia local. Ao mesmo tempo, em São Paulo, acontecem investigações semelhantes, com destaque Taubaté (onde o prefeito e a primeira-dama foram presos) e Campinas, onde o prefeito está sendo investigado.
Pois bem, os fatos referentes às prefeituras de São Paulo foram amplamente divulgados em grandes portais de notícias, jornais, revistas semanais e jornais televisivos (todos de abrangência nacional). Só para citar um exemplo, o Jornal Nacional, da Rede Globo, noticiou a prisão do prefeito de Senador Pompeu em uma nota coberta (sem reportagem, apenas narração com algumas imagens) em uma matéria de apenas 26 segundos. Além disso, o jornal não conseguiu repassar ao telespectador o clima político no Estado e a dimensão da investigação, que atinge também o setor empresarial. Já quando o prefeito de Campinas era considerado foragido da Justiça, a matéria no mesmo jornal durou 1min42s.
Alguns telejornais de outras emissoras nem chegaram a noticiar o ocorrido e, provavelmente, não o farão. Nos meios impressos é ainda mais latente a diferença de peso entre os fatos (para conferir o leitor pode acessar o site http://www.deunojornal.org.br, que traz um banco de dados com as matérias de vários jornais do País). Seriam os corruptos de lá mais importantes que os de cá? Corrupção é corrupção em qualquer lugar do mundo, devendo ter a mesma importância e a mesma implicação política e jurídica. No entanto, não é o que ocorre, uma grande fração disso por culpa de parte da própria imprensa. Talvez por isso essas dezenas de prefeituras do Interior continuem a ser uma torneira aberta de dinheiro público.
Evidências de que a mídia dita nacional é essencialmente pautada pelos fatos que ocorrem "por aquelas bandas" podem ser vistos diariamente. Dia desses estava eu assistindo ao programa Cidade Alerta, da Rede Record, apresentado por José Luiz Datena. Após alguns minutos, fiquei me perguntado: "Qual a importância de ver um programa que se limita a mostrar crimes, prisões e perseguições quase que somente da cidade de São Paulo?" Você, leitor, já se perguntou se um programa parecido, mostrando a realidade de Fortaleza, seria algum dia transmitido em caráter nacional? Improvável, bastante improvável... Para completar, em determinado momento, o programa é repentinamente cortado para as demais cidades, devido à programação local, e continua apenas para São Paulo. Para mim isso soa como certo desrespeito às demais cidades, mas é apenas uma opinião. O fato é que as coberturas "nacionais" são essencialmente regionalizadas.
# Currículo: Marcos Robério: estudante de Jornalismo. Foi coordenador do Núcleo de Jornalismo da ONG TV JANELA; depois trabalhou na assessoria de imprensa da Prefeitura de Fortaleza (estagiário da Secretaria Executiva Regional VI). Atualmente, é repórter estagiário do Jornal O POVO, onde escreve no caderno Vida e Arte. Contatos: email - marcosroberio88@gmail.com e twitter - @marcos_roberio Marcos Robério escreve nesse espaço toda quinta-feira.
