Sinceramente, pensava eu nesta semana poder escrever sobre outros temas, coisas sobre as quais já vinha pensando desde a última semana. Pensei em analisar criticamente o exagerado provincianismo com que a mídia brasileira vem lidando com o casamento real britânico, ou ainda, mais recentemente, o arroubo de nervosismo e descompostura do senador paranaense Roberto Requião (PMDB), que tomou o gravador de um repórter e ainda teve a risível coragem de se dizer vítima de bullying. Entretanto, como cidadão fortalezense, não posso ficar indiferente à matéria da edição desta semana da revista Veja, que elevou o cenário político da cidade a nível nacional, em duas páginas do que eu, em minha parcimônia, ainda ouso chamar de jornalismo.
Porém não sei ao certo (e nem o pretendo) como classificar esse tipo de jornalismo proposto por Veja. Enquanto não aparece uma definição mais adequada, uso de minha liberdade e da licença do leitor para chamar momentaneamente de jornalismo humorístico. Sei que a definição já é contraditória em si, mas aguardo sugestões. Pelo menos o humorismo, originalmente falando, ainda tem alguma graça, diferente do jornalismo humorístico às vezes apresentado por Veja, que, além de não ter graça alguma, é trágico. Deixo claro que não sou partidário, militante, apoiador, defensor ou coisa que o valha da atual gestão da Prefeitura de Fortaleza. Inclusive teço inúmeras críticas (construtivas, em sua maioria) à situação da cidade. Mas não é o caso aqui de fazer análises políticas. Antes de defender qualquer grupo ou interesse, defendo o bom jornalismo. Vamos à citada matéria.
Veja tenta fazer as primeiras cócegas no leitor já no título: "A Casa da Mãe Joaninha". Certamente foi cômico ver a prefeita Luizianne Lins sair no Carnaval fantasiada com tão exótica vestimenta. Isso seria cômico se tratando de qualquer político, acostumado a aparecer com trajes essencialmente formais. Ainda assim, no bom jornalismo isso não deveria ser mote para que o cargo máximo do Executivo de uma das maiores cidades do País seja tratado em tom jocoso, de escárnio. Há de se ter o devido respeito no tratamento, não apenas com políticos, mas com qualquer cidadão.
Chamou-me bastante atenção o "abre" da matéria: "Uma sucessão de vexames públicos, escândalos administrativos, protestos populares e ondas de boatos corroem o já minguado capital político da prefeita de Fortaleza". Poderia refletir sobre cada um dos substantivos usados, mas vamos nos ater apenas a um deles: boatos. A revista diz que "uma onda de boatos" corrói o capital político da prefeita. Ora, e desde quando o jornalismo deve reproduzir ou se pautar por boatos? Desde quando boato é notícia? Se for pra falar de boatos, conheço senhoras que ficam à espreita nas janelas de suas casas e que estariam muito mais aptas a exercer esse "ofício" do que os jornalistas. Tal comportamento, antes de tudo, é uma desonra à profissão jornalística. O que estamos precisando é de profissionais que engrandeçam essa atividade e não de pessoas dispostas a espalhar boatos.
Outro ponto alto da falta de compromisso jornalístico é a bizarra comparação entre o movimento de redes sociais que derrubou o ditador egípcio Hosni Mubarak e movimento (des)organizado em Fortaleza, que conseguiu juntar cerca de 200 pessoas em um protesto em frente ao Paço Municipal há algumas semanas. Isso é subestimar a inteligência do leitor. Para o bem e para o mal, não se pode esquecer que Luizianne foi eleita de forma democrática, tendo vencido a última eleição em primeiro turno, ou seja, de acordo com a vontade de mais de 50% dos fortalezenses. A infeliz comparação (se é que deveria ter começado) acaba aqui.
Não há dúvidas de que a gestão de Luizianne Lins está desgastada, que sua popularidade está em queda e que a cidade possui inúmeros problemas estruturais e conjunturais. É certo também que casos até agora mal explicados (como os contratos com artistas e o uso do cartão corporativo) devem ser devidamente investigados pelas entidades para isso competentes, ou até mesmo pela própria imprensa. Mas parece que Veja às vezes não liga muito para essa de investigação. O método de apuração jornalística, em sua essência, é similar ao método científico, em que hipóteses são submetidas a um processo de investigação para, ao final, serem ou não comprovadas. Veja, ao contrário, prefere divulgar as hipóteses. Daí vem o caráter especulativo (tão nocivo ao jornalismo) com que a revista levanta questões como a relação promíscua entre Luizianne e os cantores baianos ou ainda a irresponsável referência à vida pessoal de Luizianne, dizendo que o Jardim Japonês seria uma homenagem a um empreiteiro com o qual a prefeita teria um "suposto" romance. Neste ponto a revista "evolui" do boato para a fofoca.
Certamente há pontos para outras tantas considerações, mas vou encerrando esta pequena análise que, reforço, não queria precisar fazer. Porém às vezes precisamos de exemplos ruins para aprendermos a como não fazer. Tenho um ideal de mundo e de jornalismo no qual espero um dia não precisar me ater mais a questões de tal pertinência, mas por enquanto esse tipo de análise é um mal necessário. Jornalismo não é brincadeira, mas é um meio de muitos brincalhões.
# Currículo: Marcos Robério: estudante de Jornalismo. Foi coordenador do Núcleo de Jornalismo da ONG TV JANELA; depois trabalhou na assessoria de imprensa da Prefeitura de Fortaleza (estagiário da Secretaria Executiva Regional VI). Atualmente, é repórter estagiário do Jornal O POVO, onde escreve no caderno Vida e Arte. Contatos: email - marcosroberio88@gmail.com e twitter - @marcos_roberio