Um dos temas mais discutidos na aula proferida por um dos maiores especialistas brasileiros quando o assunto é "Organização, Infraestrutura, Propriedade e Concessões no setor de Comunicação no Brasil", no último sábado (17), pelo jornalista Venício Lima, diz respeito às rádios comunitárias.
A aula foi ministrada no auditório da ADUFC - Associação dos Docentes da UFC e contou com a presença de 25 pessoas, entre profissionais da comunicação e estudantes. Durante toda a tarde participamos desse debate tão importante para a radiodifusão brasileira. Estivemos presentes também e ficamos chocados com tanta informação bombástica nesta área comandada pelo governo federal, através do Ministério das Comunicações, hoje administrado pelo ministro Paulo Bernardo, do PT. Muita irregularidade existente, sem fiscalização nenhuma.
Lá, ficamos sabendo, por exemplo, que o governo Lula não foi capaz de implementar políticas democratizantes em relação às rádios comunitárias, que continuam regidas por uma legislação excludente aprovada no governo de Fernando Henrique Cardoso (Lei nº 9.612/1998). Ainda em 2003 foi criado um Grupo de Trabalho (GT) que chegou a produzir um relatório final. Mudou-se o ministro das Comunicações, criou-se agora um Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), que se reuniu ao longo de 2010 produzindo também extenso relatório final. Mudou novamente o ministro e o novo titular da pasta não aceitou o relatório final do GTI - que nunca chegou a ser encaminhado à Presidência da República. A repressão às rádios comunitárias - que não conseguem se legalizar, na maioria das vezes por inoperância do próprio Ministério das Comunicações - em certos momentos chegou mesmo a aumentar, comparada ao governo anterior.
Outro assunto abordado diz respeito a "propriedade cruzada". Veja o absurdo, queridos leitores! A legislação brasileira nunca se preocupou de forma efetiva com a propriedade cruzada dos meios de comunicação. O mais próximo que se chegou dessa preocupação foi na década de 1960, durante o regime militar, quando houve uma tentativa, através do Decreto-Lei 236/1967, de se estabelecer limites para o número de concessões de radiodifusão que um mesmo grupo privado poderia controlar. Esses limites, no entanto, não foram obedecidos. O Estado, que é o órgão fiscalizador, jamais interpretou a norma legal como forma de regular a concentração da propriedade. Não há, portanto, na legislação brasileira, sobretudo na de radiodifusão, preocupação com o fato de que o mesmo grupo empresarial, no mesmo mercado, seja concessionário de emissora de rádio e/ou de televisão, e ainda proprietário de empresas de jornais e/ou de revistas.
Os principais grupos empresariais que existiram e ainda existem na mídia brasileira são multimídia, baseados na propriedade cruzada. Isso foi verdade para os Diários Associados - o primeiro grupo dominante no país - e é, evidentemente, verdade para as Organizações Globo - o maior grupo de mídia que existe no Brasil hoje.
Vale frisar que a mídia brasileira é controlada por uns poucos grupos familiares. Mas não só por grupos familiares. Eles são também os mesmos grupos oligárquicos da política regional e local. Aparece, então, uma questão extremamente importante: o coronelismo eletrônico, prática política através da qual forças no controle do aparelho de Estado, se utilizam das outorgas de radiodifusão como moeda de barganha política. Dessa forma, o poder concedente desse serviço público, muitas vezes, se confunde com o próprio concessionário, atualizando e reproduzindo, com roupagem nova, o coronelismo político da República Velha para o tempo presente.
É hilário as barbaridades cometidas em relação às rádios comunitárias espalhadas por este Brasil afora. É bem verdade que a grande maioria dessas emissoras se transformam em rádios comerciais. Existe um grande número delas no Interior do Ceará. O maior beneficiado cearense dessas concessões, que pertence a União, é o senador Eunício Oliveira (PMDB), hoje presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal. O jornalista e professor Venício Lima, um estudioso dessa temática, nos relatou em off as atrocidades cometidas contra a nossa radiodifusão brasileira.
Na cidade de Icó (CE) nós temos três rádios e todas as três se utilizam de propaganda comercial para sobreviverem financeiramente. A pioneira Icó FM está registrada sob a tutela da Fundação José Walfrido Monteiro, que foi prefeito e deputado estadual. Já a Papagaio FM, de propriedade da família Nunes, hoje detentora do poder municipal, pertence a Fundação Manoel Antônio Nunes (já falecido). Juntamente com a Rádio Brasil FM, as duas formam a cadeia radiofônica desse município.
A primeira teve o apoio imprescindível do deputado estadual licenciado Mauro Filho (PSB), atual secretário da Fazenda do Ceará. Por sua vez, a Papagaio FM contou com a ajuda do senador Eunício Oliveira, que foi ministro das Comunicações do governo Lula. E, pelo que sabemos, a Brasil FM teve o apoio do então deputado federal Roberto Pessoa, hoje prefeito de Maracanaú (CE), importante município da Região Metropolitana de Fortaleza. O seu proprietário, Rubens Brasil, é filiado ao Partido da República (PR), a mesma agremiação partidária do gestor maracanauense.
Para adquirir uma emissora de rádio só tendo muita influência politicamente. A maioria são comandadas por políticos. Mas, é bom deixar bem claro. As rádios pertencem ao governo federal, detentor das concessões fornecidas a pessoas físicas ou jurídicas. E o Congresso Nacional tem que aprovar. Ou seja: uma casa eminentemente política e partidarizada.
O próximo encontro do ciclo de palestras "Direito à Comunicação: a sociedade quer discutir a sua mídia" ocorrerá no dia 21 de outubro, com o tema "A regra é clara?". Os palestrantes são: o argentino Néstor Busso e Jonas Valente, especialistas em legislação da comunicação social. A turma já foi inscrita e, ao final, os inscritos das três aulas receberão certificado de participação. A terceira e última aula acontece no mês de novembro.